sábado, 5 de junho de 2010

Interpretação livre


"No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.”

(Carlos Drummond de Andrade)

Pra ser sincero, esse texto se dirige a um único leitor: eu mesmo. E se o que o motivou foram inúmeras e infindáveis discussões com amigos, no momento quero que solenemente se explodam. Digo isto como precaução; a quem, por acaso, não vier a interessar este devaneio egocêntrico e egoísta, fica o recado.

Eu comecei por me perguntar o que é uma interpretação. É dizer como me parece algo? É dizer o que eu vejo, é transformar em linguagem? Numa outra linguagem? Porque por exemplo, encontrei isto na Wikipedia, no verbete “Mistério do planeta”:

“Interpretação lírica

(...)"O tríplice mistério do stop" corresponde às três fases da vida do ser humano, ao nascer, crescer e morrer. No verso seguinte, "que eu passo por e sendo ele no que fica em cada um", reforça a teoria de que todos os seres humanos passam por esta fase. O 'stop' seria o fim da vida.(...)

É uma música linda, eu acho, mas a música é isso? Quereria dizer que a música pretende algo, ou estou errado? A música é o que ela é, ou o que ela quer dizer?

Foi nesse momento o estalo. Importa o que a música é? Ou não, porque ela é ‘para alguém’. Confuso pra cacete? De outra forma: Joaninha é bonita, ou, Joaninha é bonita segundo alguém?

Beleza?

Interpretar.

Interpretar é compreender, apreender: capaz... Compreender é transformar em algo que me diz respeito, que eu possa ‘percorrer’ depois, que eu possa retornar àquilo a partir de.

E de uma combinação aleatória de palavras? De aproximações tão distantes quanto possíveis; e de distanciamentos tão próximos? Refiro-me à poesia.

“A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

(...)

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo! (...)”

Indo mais longe ainda, me digam, como explicar as lágrimas que trazem à tona um poema sobre um moço tão distante no tempo quanto no espaço, e que eu mesmo nem cheguei a conhecer? “ A Mario de Andrade ausente”:

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.


Sei bem que ela virá (pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguem perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você,
Profundamente.


Mas agora não sinto a sua falta.


É sempre assim quando o ausente partiu sem se despedir:
(Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.


Imaginarei: está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se.
Para outra vida?
A vida é uma só. A sua vida continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora sua falta.”

Essa coisa que não sei dar nome, estará mesmo no poema? Creio que não. Se é em mim que ela reverbera, se são minhas as lágrimas, sou puro eu este algo. Ou não?

Relendo à luz de algum tempo decorrido, me parece tão simples quanto infantil. Limitar interpretações é limitar as pessoas. Os homens criam seus significados, tantos quanto imagináveis, e vem criando, e creio, jamais deixarão de fazê-lo. Antes era a bíblia, ou a torá, um poema, que importa.

Interpretações somos nós, em outras palavras.

Um comentário:

Judy disse...

uma aula de sei la o que.
manda muito.