quarta-feira, 9 de junho de 2010

mulher

I. 7x 'mulher' x2

primeiro se diz 'mulher' uma vez, depois 3 pares 'mulher mulher', e a voz vai diminuindo, acalmando
como os passos de uma dança: inicialmente apruma, vai e vem, vai e vem, vai e vem. e repete tudo.

II. 'a mulher, é a mulher' x5

1. sem a vírgula: 'a mulher é a mulher' que nos lembra o deus da bíblia respondendo quem ele é: 'eu sou aquele que é': nada de metadiscurso: o conceito de mulher de que será tratado aqui não aceita que se fale diretamente sobre ele
como vimos na repetição anterior, 'mulher' se trata de uma palavra coreográfica, quase gestual

2. mas podemos ler com a vírgula 'a mulher, é a mulher' como alguém apontando um objeto com o indicador, embasbacado, sem poder dizer nada, como uma criança diante de um objeto novo aponta e repete seu nome, em sua tentativa de assimilá-lo: 'o X, é o X'.
é infantil: então temos um primeiro momento em que 'mulher' foi revelado como gesto, e agora neste segundo é tanto uma palavra fora da sintaxe, inadjetivável, insubmissa a quaisquer lógicas gramaticais; como também, mais ainda: surge como que na boca de uma criança aprendendo a falar 'mulher': 'mulher', aqui, se refere a algo de outra língua: esta música trata do aprendizado de uma nova palavra, estrangeira, nova; o nome de algo específico não-generalizável.

3. note que este par de 'mulher' é repetido cinco vezes, totalizando dez 'mulher'. ver adiante.

III. 'melhor que uma mulher
só dez mulher'
x2

1. nota-se que o plural de mulher não é mulheres, é mulher: figura singular (mas isto já nos estava claro)

2. ora dez 'mulher' são melhores que uma, não bastam duas ou três. abordemos isto mais a fundo:
- seguindo a interpretação de que é uma dança: obviamente executar um passo pela metade é pior do que não executá-lo. e assim são necessários dez gestos 'mulher' (imagine, toda vez que ele fala mulher, conduzindo a dama, num tango, numa valsa; dança de salão) para realizar algo melhor do que simples permanecer na posição inicial (que se afirma no gesto primitivo 'mulher' que situou o casal de dançarinos)
- o que incomoda nesta linha de raciocínio é que a música se inicia com dois passos compostos por sete mulher; quando logo a seguir há a repetição de cinco pares de dois mulher. mas se a estrofe logo a seguir (esta estrofe III) está, justamente, afirmando que só dez mulher é melhor que uma mulher, então temos que a música opõe sua abertura à sua segunda estrofe, sendo a segunda melhor.

IV. 'melhor que dez mulher
só mil mulher'
x2

então o passo de dez mulher só será superado por um passo de mil mulher - mas isso é uma impossibilidade! talvez o 'mil' seja utilizado como em 'mil e uma noites' simplesmente como grandeza inalcançável: a beleza do passo de dez é completa e (humanamente) insuperável.

V. 'Uma mulher, duas mulher, Três mulher, quatro mulher...
Cinco mulher, seis mulher, Sete mulher oito mulher nove mulher, dez mulher!'


e aqui a execução da obra máxima já designada, execução didática, passo a passo.

recapitulemos: inicia com dois passos de 7, a seguir um passo de 10, então afirma a superioridade do dez, afirma que o dez é insuperável, e explicita a formação do dez, tintin por tintin. é, claramente uma aula sobre a utilização deste vocábulo; mas agora por que a escolha desta palavra 'mulher'? arrisco uma especulação muito própria e improvisada, passível de críticas e elaborações.
de uma forma contra-intuitiva, a música reinventa a possibilidade de falar de uma mulher: esta aula afirma que a mulher (sempre no singular, pois só há uma mulher) requer um tratamento próprio: ou bem distanciado, limitado ao simples contato cordial do casal; ou bem deferência completa, executando toda a dança de dez passos (poderíamos procurar a simbologia deste número). um tratamento intermediário, dito superficial, é recusado: e daí temos que esta música é romântica, recusando a idéia de que é possível relacionar-se pela metade, sem ir até o fim nos passos iniciados. o amor deve ser uma entrega completa ou nada. mas este amor é efêmero, chama, dura apenas o tempo de uma dança; mas há ainda o ideal, a dança de mil passos, infinita: dançar a vida inteira.

VI. 'salve a mulher brasileira!'
'brasileira': surge um adjetivo para mulher, o que lhe foi negado ao longo de toda a música.
ou seja, no brasil, a mulher não é tomada como 'mulher' a palavra-gesto singular inventada aqui, mas é tratada como simples mulher, de plural mulheres. 'salve': um protesto.

recursos não utilizados:
a. note que não podemos afirmar que 'mil mulher' é melhor que 'uma mulher' diretamente: é necessário executar a passagem pela fórmula 'dez mulher'
aos versos III e IV poderíamos notar também: a escala de um para dez, e de dez para mil, aliada à recusa de todas as combinações intermediárias, pode ser vista como uma política demográfica: uma mulher = o indivíduo, mil mulher = a sociedade ampla, sendo que em um povoado com mais de mil habitantes já existe certo anonimato. a organização em dez mulher, intermediária, que executa essa passagem entre indivíduo e sociedade: uma forma de família, de comuna, de associação educativa (uma turma escolar?)
b. em III nota-se que a frase inicia com 'melhor' e termina em 'mulher': oposição?
c. a mulher é terceira pessoa, fala-se dela e não para ela
d. mulher poderia ser lido como sinônimo de esposa

Um comentário:

Gigante da Montanha disse...

Eu vou mandar esse blog pro neguinho da beija-flor.