quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Notas do descobridor em sua viagem à terra: Brasil

(Para o rei Carlos III)


Ritual 1

Acordar cedo. Seja por um pequeno bichinho ao pé da cama, o gato, seja por um outro, elétrico, despertador. Levantar é preciso, passado de geração em geração, uma técnica. (Diz-se que quanto antes do nascer-do-sol, mais ajuda da divindade se recebe).
Depois vem a parte burocrática, molhar-se, comer, vestir...

Ritual 2

Encaminhar-se a um sistema auto-regulatório denominado ‘fila’, no qual parecem abstrair do mundo, entrando em estado de êxtase (um êxtase solitário). Alguma forma mecânica os transporta até despertarem do transe, no local onde irão passar as próximas horas. (aí outro começa...)
Daqui os etnógrafos continuem...

Parêntese analítico

(O momento do transporte é marcado por uma tensão que não poderia registrar. Toda uma ética dos olhares, uma assembléia silenciosa. De um lado e de outro, uns se arriscam, outros retraem, uns encaram, todos jogam)

Ritual número 5

Quando da hidratação, trata-se dos momentos mais interessantes, ao olhar do descobridor: o contato tão banal com essa substância imprescindível a eles é de uma vivacidade tal, ó Vossa Majestade, precisaríeis ver para crer! Quantos tesouros...


As crenças se distribuem, num primeiro momento, em relação ao sujeito (o que lhe é próprio). Depois vão se justificar num nível mais amplo que diz respeito a realidade. São poucos os que prosseguem nessa escalada, mas há os que, interrogando-se sobre essas “justificativas” mais gerais chegam num impasse que é o do absoluto.


Parece que aqui, ó Majestade, uma nova raça de homens habita! É coisa rara e incrível, mas tem de acreditar em mim. Quem o diga que é urucubaca essa coisa toda de cosmos... Não podia crer a princípio na falta de unidade, na sua impossibilidade, mas... de fato, 2+2 não é igual a 4, simplesmente porque não há 1. Mas será 0 o Caos?


É o seu mais humilde servo que lhe implora, Vossa Majestade, envie uma esquadra de guerra para nos socorrer!! Se antes foram muy hospitaleiros, nos alimentaram, abrigaram, agora nos trancafiaram estão dizendo que vão nos comer!


Assinado
John Fritz Kennedy

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

na fila



meus vícios: amor e dor
(este ‘e’ não sei se devo)

mesmo assim
e enquanto isso

há quem me valha:
violão e cigarro de palha


quarta-feira, 24 de agosto de 2011

IV



odeio mariposas.

elas e o meu amor
andam juntas, vem com o verão;

sei que virão temporais,
ressacas mar bravo
e o pior de tudo:
sei que meu amor anda próximo
(posso quase senti-la respirar)

o sol vem espiar de perto
eu espiar de perto a mariposa
que arrisca tudo pra espiar de bem perto
a lâmpada.

o verão é isso, essa incandescência
(podemos dizê-lo do amor, se assim quisermos)
já as mariposas não,
morrem
ao chegar bem perto da luz.


Canção do pescador



não importa a palavra
que você me diga
(Lacan ou Iansã)
importa o peixe que cai na rede
e mata a fome
(e matando
revive);

não importa qual seja
a sua ferida,
o seu trauma
é indizível
invisível
inodoro
e insípido
(sua dor é água...);

mas você é forte que eu sei
não vai cair
na infantilidade de poematizar-se...

mas você sabe
que as palavras todas que você pensou
pra me dizer não passam

de variações da palavra palavra.


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Bum!, Bum!

(mitologia do Kaos)



retirado das paredes de
uma caverna sobre o
concreto armado numa
esquina do Leblon;



explosões de bombas atômicas Cá dentro do peito

completo Desconhecido caminhando ao meu lado...

no centro, não são só os edifícios que são pesados
as pessoas também
pisam passos de elefante
(só não voltam pra morrer)

;

quem diz de si mente
Si já esta falando quando diz

Si auxilia mas ilude, cuidado
com Si o jogo é sério e o ritual é duro

Quem come dicionário e acaba cagando regra.

;

Meutempo é o meu tempo

não é o seu o seu o seu não é o da minha Avó
(infelizmente
talvez)

(pra quem?)

;

há quem se contente com pouco
Eu não

;

sábado, 20 de agosto de 2011

4/6



Leite do desejo pela montanha
desce em Niágaras
como se fosse puro...

Futuro incerto, que nos planeja?
qual e quantas bocas hei de beijar
na esperança de te ver de novo...

o solstício/solilóquio
já não pinta;

parece que a aposentadoria
vem para todos.


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

na correria



é muito difícil competir com o barulho
da cidade, as luzes dos cartazes
anúncio do melhor perfume,
(nem me atrevo)

e é por isso que eu digo:

melhor assim
quando é preciso

o maior

cuidado

para as coisas

simples.


domingo, 14 de agosto de 2011

Gente boa

( Coluna social de pobre é grafite)


o chefe do movimento lá na Mangueira chamava-se Zito. Certa feita, por ocasião do roubo de uma BMW e que lhe dava o maior orgulho ele mandou que asfaltassem a rua que levava da boca até a quadra e assim ele ia todo feliz, todo ostentoso, e chegava só como, tiros pro alto, etc. O mês se passou, a polícia subiu o morro, e dá-lhes suborno pra não levarem a BMW. Carrão desses pra ficar indo da boca pro baile, do baile pra boca, que desperdício e por isso o Zito mandou que asfaltassem as ruas involta para que ele pudesse desfilar seu carrinho pela comunidade. E assim se fez e no mês seguinte dá-lhe polícia outra vez. mas os aviãozinho já tinham avistado os bola subindo, dando ao mestre tempo de mandar que escondessem seu precioso. Só que ninguém se ligou no rebaixamento, que baixinho, feito pra rodar na Europa, tava escangalhando só de passar por aquelas vielas esburacadas e tudo o mais. O Zito quando vai ver, como ficou puto. Quase matou. Morreu numa grana. Conta que ele, voltando da oficina encontrou pela rua o outro mestre, Cartola. Com uma viola sob os braços que ele disse “você pode asfaltar todo o morro da Mangueira, ou pode ser você mesmo sua BMW”. E foi aí que Zito tomou as outras nove favelas adjcentes, tornando-se então o maior fornecedor de drogas da zona norte do Rio de Janeiro.



quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Pra aquietar

citação: leve um homem e um boi ao matadouro. o que gritar mais é o homem. mesmo que seja o boi


A segurança é só.

já o medo
de sentir medo
anda sempre acompanhado...

daí os carentes de toda espécie
os viciados, os apaixonados...
( por isso o tráfico e por isso o Estado)

quem ousaria? – talvez por isso
os exorcismos de cada dia
nos sejam tão caros
mais que o cigarro

(daí o cigarro, daí o ronco dos motores:
o medo
rompendo a própria carapaça, eterno retorno...

ou melhor, esqueça

a quem estou tentando enganar

sábado, 6 de agosto de 2011

Não se aquiete


a segurança é só
o medo
de sentir medo,

quantos dias faz que o sol nasce igual(?)
do mesmo modo
não se acomode

o dia de amanhã
ninguém sabe
nem saberá

...
..
.


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

vê se pode




ela fez um poema pra mim.

logo pra mim... que não sou e (desconfio) nunca serei
merecedor de poema
ou poematizável mas

ela fez um poema pra mim.

e o pior: me deu
onde já se viu?! se é pra fazer, que fique na gaveta
guardado
resguardado

- não gosto nem de pensar meu poema por aí voando bocas alheias