terça-feira, 29 de junho de 2010

vá pro inferno

poesia é a coisa mais anti-poética que eu já conheci.
qual o tolo decidiu que poderia estancar
como quer que fosse esse
meu peito fraco e frouxo
que é peito de homem?

(ouvi dizer que na Síria
há uns vinte e tantos séculos
houve um poeta)

eu não. não sou poeta, que é que queira dizer
esta interessantíssima máscara;
chamam-me assim, desconfio, e apenas
tão somente porque sou fraco;

me soa melhor poeta (confesso)
que fraco,
que desiludido,
que desesperado por qualquer sentido:
me cai melhor poeta
que aquele que fica entre o tudo e o nada,
flutuando inerte
o insofismável vazio que por ventura
se convencionou verso.

meço palavras, piso leve. uma piscadela para cada poema.
minha impolítica poética:
não sei se choro minha mágoa,
ou se conquisto a menininha que nem sei...

(na dúvida
rio,
choro,
um chopp,
bastante
eu converso)

e quando o medo passa,
(ou pelo menos
finge que)
só aí, e só quando já quase não vale a pena dormir
de tão tarde!
de tão cedo,
eu me deito

amanha tenho dia cheio.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Solitude

A minha última lágrima
ninguém verá;
eu tranco a porta
para que ninguém saiba
para que ninguém sinta
que em meu peito
sabidamente solitário
publicamente inevitavelmente
solitário
um outro homem
dessa vez menino
ainda sonha em cobrir toda a rua com seu giz de cera
(independente dos carros e das nuvens)

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Por um saíra-de-sete-cores

se um passarinho entra pela sua janela
vôo errante, agitado
em expressão multicolorida
olhar tão curioso, inquieto;
apesar do receio de
envolvê-lo na palma,
em socorro
não pegues pela cauda
- mesmo sutil toque
as penas soltas mostram
a fragilidade da criaturinha;
e a pena, frágil, é a mesma
que seu pio, tão miudamente profundo,
faz sentir,
e ressoa numa lágrima
tão bruta

terça-feira, 22 de junho de 2010

Um verso à janela
que calasse na madrugada o silêncio mais fundo;
uma voz pra o meu violão
bailasse nos dedos meus, nas cordas bambas da viola
no carpete mesmo
(se tirasse um livro
de poesia da estante:
mas não me atrevo sonhar tanto).
Fico esperando
à beira da janela.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

mulher

I. 7x 'mulher' x2

primeiro se diz 'mulher' uma vez, depois 3 pares 'mulher mulher', e a voz vai diminuindo, acalmando
como os passos de uma dança: inicialmente apruma, vai e vem, vai e vem, vai e vem. e repete tudo.

II. 'a mulher, é a mulher' x5

1. sem a vírgula: 'a mulher é a mulher' que nos lembra o deus da bíblia respondendo quem ele é: 'eu sou aquele que é': nada de metadiscurso: o conceito de mulher de que será tratado aqui não aceita que se fale diretamente sobre ele
como vimos na repetição anterior, 'mulher' se trata de uma palavra coreográfica, quase gestual

2. mas podemos ler com a vírgula 'a mulher, é a mulher' como alguém apontando um objeto com o indicador, embasbacado, sem poder dizer nada, como uma criança diante de um objeto novo aponta e repete seu nome, em sua tentativa de assimilá-lo: 'o X, é o X'.
é infantil: então temos um primeiro momento em que 'mulher' foi revelado como gesto, e agora neste segundo é tanto uma palavra fora da sintaxe, inadjetivável, insubmissa a quaisquer lógicas gramaticais; como também, mais ainda: surge como que na boca de uma criança aprendendo a falar 'mulher': 'mulher', aqui, se refere a algo de outra língua: esta música trata do aprendizado de uma nova palavra, estrangeira, nova; o nome de algo específico não-generalizável.

3. note que este par de 'mulher' é repetido cinco vezes, totalizando dez 'mulher'. ver adiante.

III. 'melhor que uma mulher
só dez mulher'
x2

1. nota-se que o plural de mulher não é mulheres, é mulher: figura singular (mas isto já nos estava claro)

2. ora dez 'mulher' são melhores que uma, não bastam duas ou três. abordemos isto mais a fundo:
- seguindo a interpretação de que é uma dança: obviamente executar um passo pela metade é pior do que não executá-lo. e assim são necessários dez gestos 'mulher' (imagine, toda vez que ele fala mulher, conduzindo a dama, num tango, numa valsa; dança de salão) para realizar algo melhor do que simples permanecer na posição inicial (que se afirma no gesto primitivo 'mulher' que situou o casal de dançarinos)
- o que incomoda nesta linha de raciocínio é que a música se inicia com dois passos compostos por sete mulher; quando logo a seguir há a repetição de cinco pares de dois mulher. mas se a estrofe logo a seguir (esta estrofe III) está, justamente, afirmando que só dez mulher é melhor que uma mulher, então temos que a música opõe sua abertura à sua segunda estrofe, sendo a segunda melhor.

IV. 'melhor que dez mulher
só mil mulher'
x2

então o passo de dez mulher só será superado por um passo de mil mulher - mas isso é uma impossibilidade! talvez o 'mil' seja utilizado como em 'mil e uma noites' simplesmente como grandeza inalcançável: a beleza do passo de dez é completa e (humanamente) insuperável.

V. 'Uma mulher, duas mulher, Três mulher, quatro mulher...
Cinco mulher, seis mulher, Sete mulher oito mulher nove mulher, dez mulher!'


e aqui a execução da obra máxima já designada, execução didática, passo a passo.

recapitulemos: inicia com dois passos de 7, a seguir um passo de 10, então afirma a superioridade do dez, afirma que o dez é insuperável, e explicita a formação do dez, tintin por tintin. é, claramente uma aula sobre a utilização deste vocábulo; mas agora por que a escolha desta palavra 'mulher'? arrisco uma especulação muito própria e improvisada, passível de críticas e elaborações.
de uma forma contra-intuitiva, a música reinventa a possibilidade de falar de uma mulher: esta aula afirma que a mulher (sempre no singular, pois só há uma mulher) requer um tratamento próprio: ou bem distanciado, limitado ao simples contato cordial do casal; ou bem deferência completa, executando toda a dança de dez passos (poderíamos procurar a simbologia deste número). um tratamento intermediário, dito superficial, é recusado: e daí temos que esta música é romântica, recusando a idéia de que é possível relacionar-se pela metade, sem ir até o fim nos passos iniciados. o amor deve ser uma entrega completa ou nada. mas este amor é efêmero, chama, dura apenas o tempo de uma dança; mas há ainda o ideal, a dança de mil passos, infinita: dançar a vida inteira.

VI. 'salve a mulher brasileira!'
'brasileira': surge um adjetivo para mulher, o que lhe foi negado ao longo de toda a música.
ou seja, no brasil, a mulher não é tomada como 'mulher' a palavra-gesto singular inventada aqui, mas é tratada como simples mulher, de plural mulheres. 'salve': um protesto.

recursos não utilizados:
a. note que não podemos afirmar que 'mil mulher' é melhor que 'uma mulher' diretamente: é necessário executar a passagem pela fórmula 'dez mulher'
aos versos III e IV poderíamos notar também: a escala de um para dez, e de dez para mil, aliada à recusa de todas as combinações intermediárias, pode ser vista como uma política demográfica: uma mulher = o indivíduo, mil mulher = a sociedade ampla, sendo que em um povoado com mais de mil habitantes já existe certo anonimato. a organização em dez mulher, intermediária, que executa essa passagem entre indivíduo e sociedade: uma forma de família, de comuna, de associação educativa (uma turma escolar?)
b. em III nota-se que a frase inicia com 'melhor' e termina em 'mulher': oposição?
c. a mulher é terceira pessoa, fala-se dela e não para ela
d. mulher poderia ser lido como sinônimo de esposa
Eu fechei os olhos e você era um urso polar.
boiando num pedaço de gelo
toda branca
e com a patinha tentava alcançar alguma coisa na água
(talvez uma sardinha?
que obviamente já tinha ido embora)
você só boiava, só
boiava
eu ameaçava uma emoção
abri os olhos.






Poema nevado

sábado, 5 de junho de 2010

Interpretação livre


"No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra.”

(Carlos Drummond de Andrade)

Pra ser sincero, esse texto se dirige a um único leitor: eu mesmo. E se o que o motivou foram inúmeras e infindáveis discussões com amigos, no momento quero que solenemente se explodam. Digo isto como precaução; a quem, por acaso, não vier a interessar este devaneio egocêntrico e egoísta, fica o recado.

Eu comecei por me perguntar o que é uma interpretação. É dizer como me parece algo? É dizer o que eu vejo, é transformar em linguagem? Numa outra linguagem? Porque por exemplo, encontrei isto na Wikipedia, no verbete “Mistério do planeta”:

“Interpretação lírica

(...)"O tríplice mistério do stop" corresponde às três fases da vida do ser humano, ao nascer, crescer e morrer. No verso seguinte, "que eu passo por e sendo ele no que fica em cada um", reforça a teoria de que todos os seres humanos passam por esta fase. O 'stop' seria o fim da vida.(...)

É uma música linda, eu acho, mas a música é isso? Quereria dizer que a música pretende algo, ou estou errado? A música é o que ela é, ou o que ela quer dizer?

Foi nesse momento o estalo. Importa o que a música é? Ou não, porque ela é ‘para alguém’. Confuso pra cacete? De outra forma: Joaninha é bonita, ou, Joaninha é bonita segundo alguém?

Beleza?

Interpretar.

Interpretar é compreender, apreender: capaz... Compreender é transformar em algo que me diz respeito, que eu possa ‘percorrer’ depois, que eu possa retornar àquilo a partir de.

E de uma combinação aleatória de palavras? De aproximações tão distantes quanto possíveis; e de distanciamentos tão próximos? Refiro-me à poesia.

“A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

(...)

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo! (...)”

Indo mais longe ainda, me digam, como explicar as lágrimas que trazem à tona um poema sobre um moço tão distante no tempo quanto no espaço, e que eu mesmo nem cheguei a conhecer? “ A Mario de Andrade ausente”:

Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.


Sei bem que ela virá (pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguem perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você,
Profundamente.


Mas agora não sinto a sua falta.


É sempre assim quando o ausente partiu sem se despedir:
(Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.


Imaginarei: está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se.
Para outra vida?
A vida é uma só. A sua vida continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora sua falta.”

Essa coisa que não sei dar nome, estará mesmo no poema? Creio que não. Se é em mim que ela reverbera, se são minhas as lágrimas, sou puro eu este algo. Ou não?

Relendo à luz de algum tempo decorrido, me parece tão simples quanto infantil. Limitar interpretações é limitar as pessoas. Os homens criam seus significados, tantos quanto imagináveis, e vem criando, e creio, jamais deixarão de fazê-lo. Antes era a bíblia, ou a torá, um poema, que importa.

Interpretações somos nós, em outras palavras.

Livre Interpretação

Já diziam nossos pais ou professores de quarta série, “opinião cada um tem a sua, não existe um opinião certa ou errada. Se você acha a Joaninha bonita, muito possivelmente alguém nesta sala não a acha, o que prova o meu ponto”. A simplificação contida neste discurso, No entanto, está no simples fato de que, se Joaninha tivesse três olhos, dificilmente alguém no mundo a acharia atraente.

Por outro lado, se a mesma menina preencher com perfeição um grande número de características consideradas atraentes pela sociedade na qual ela está inserida, seria uma tarefa complicada imaginar qualquer pessoa que a achasse terrivelmente feia. Ou seja, certas opiniões não podem ser emitidas em determinado contexto, pelo simples fato de não fazerem sentido. O importante desta conclusão empírica reside na analogia à interpretação textual como um todo. Não falo de qualidade de texto, vejam bem, refiro-me exclusivamente ao que se pode retirar de determinada leitura.

Correndo o risco de ser repetitivo, apresentarei mais uma amostra do meu ponto. Ao ler um texto de 200 palavras das quais uma quantidade substancial delas é “mulher”, seria bastante surpreendente se um indivíduo, munido da razão, conseguisse arrancar uma gama de interpretações que abrangesse temáticas tais quais adoração à natureza e massificação da mulher. Indo além, se uníssemos à letra ritmo, melodia e forma de expressão populares, dificilmente conseguiríamos escapar da última leitura.

Em suma, tendo a acreditar que as interpretações possíveis dadas a um texto sejam cerceadas pelos elementos que ele oferece. Um russo, ao ouvir esta mesma música, seria incapaz de identificar o elemento que proporciona de forma determinante o caráter de massificação intrínseca à canção e, sem sombras de dúvida, seria apto a interpretá-la de forma bastante diferente do que um brasileiro.

Portanto, seguindo ainda esta ideia, uma expressão ou ação remete a um número finito – mesmo que muito, muito grande – de interpretações. Além disso, na maioria dos casos, esta quantidade de possibilidades se torna menor a cada novo elemento levado em consideração. O que nos leva a outra reflexão importante. Como delimitar cada um destes elementos?
Na realidade, a questão que acho mais relevante consiste na identificação de interpretações válidas, ou, melhor dizendo, genuínas, fruto real da análise dos elementos contidos em determinada expressão. Acredito que seja impossível a um indivíduo, ao se deparar com a música do exemplo anterior, provar a mim, através de lógica, que a mensagem nela contida possa ser também de valorização da mulher e não o seu oposto. Arriscaria dizer de antemão que esta pessoa incorreu em um erro lógico, seja pelo uso de sofismas e falácias, seja pelo fato dela não levar em conta todos os elementos oferecidos pela música.

Então, a professorinha do ensino fundamental estava certa em termos ao proferir defesas à liberdade de opinião. Cada indivíduo é realmente capaz de tirar conclusões diversas de um mesmo objeto, sendo estas muitas vezes conflitantes. No entanto, é incorreto acreditar na infinidade de interpretações do mesmo. Esta crença só pode ser sustentada por motivação artificial e lógica ilusória.

madonna ao luar em plutão

sexta-feira, 4 de junho de 2010

poeminha que morreu no meio...

(para bel)


pra menininha assim nem cantiga vale
que é um versinho pra quem tem um sorriso torto?
que com “vale” ou “torto”, a rima é tão pouco...
se fosse preciso, pra botar num poema
(é uma pena que ainda não tenham inventado)
misturar flor, gávea
e escola parque num mesmo barco
há tanto tempo, e tão pequena
que nem no poema cabe...

passeio ao volante

o ritmo na cidade segue intenso
incessante a 3000 rotações por minuto;
abre a janela, faz calor
e perder um segundo que seja
dessa nossa viagem, será a morte
ou o remorso, apenas

a pena pela vida na cidade
é a solidão de quem não tem um puto
de amor dinheiro amigos
e perder um segundo que seja
dessa irracional viagem, será a sorte
ou um poste apenas

a cidade segue o ritmo incessante
da avenida que brilha
a 3000 emoções por minuto;
perfila
socialites bagos velhos e crackudos
numa mesma pedida
farinha do mesmo saco

e quem pela cidade arrisca
um pisar leve, um devaneio
encoberto por alguma penumbra
- de que importa o coração alheio?
é melhor olhar pros dois lados
antes de atravessar a rua

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Elogio da mulher

(sobre música "Mulher" de Neguinho da Beija-Flor)


a música é boa
a música é boa
a música é boa
a música é boa
a música é boa

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Elogio da mulher

(sobre música "Mulher" de Neguinho da Beija-Flor)

Compor uma canção é um estratagema, dizia um músico. Eu não faço a menor idéia. Mas também não nego se tratar duma idéia interessante; se não pra ajudar a entender a composição, pelo menos um devaneio interessante, um ponto de vista.

Neste sentido a música “Mulher”, do sambista Neguinho da Beija-Flor, nos aparece como um exemplo cristalino de enlace perfeito entre as partes que a compõem. Pode-se até supor que o compositor guarda um “mapa” da obra, num rascunho o “esquema” da canção.

A repetição da palavra ‘mulher’, primeiramente, em três combinações diferentes, o tempo que varia, e a melodia que não é de pouca qualidade, introduzem o ouvinte no, digamos, todo da música. O terceiro tempo quebra dando início ao segundo momento da abertura, e o que nos aguarda:

“Melhor que uma mulher só dez “mulher”, só dez “mulher”

Melhor que dez “mulher” só mil “mulher”, só mil “mulher””

Pois é, até o momento não muito foi dito. Uma repetição trivial seguida de uma comparação que parece no mínimo imbecil (“duas mulher” não são melhores do que uma, ou três, ou nove? E mil mulheres tranqüilo, mil e uma é que fode, né?): O que um estrategista nos diria?

Não quero saber de imaginação pela metade. Um antigo general do exército chinês certa vez proverbiou: conhece o teu inimigo. A insinuação é sutil. O tema já está claro a esta pouca altura da música; vamos falar de mulher. Melhor que uma mulher, só dez “mulher”. Não dez mulheres, dez “mulher”. A individualidade da mulher é apreciada, não importa que seja uma, dez, ou mil; como a nos contar que cada qual vale por si mesma. Mas ele, autor, faz isso por artifícios.

A terceira parte não difere no que tange a simplicidade das estruturas. Uma contagem,

“Uma mulher, duas mulher, tr... ... sete mulher oito mulher nove mulher – dez mulher”

Agora tem fim o primeiro ato, em sua tripartição narrativa, apesar da abordagem incomum do tema. O segundo ato se inicia como o primeiro (“mulher, mulher...”), numa autofagia incrível, onde a música repete a si mesma, onde o mecanismo da repetição enquanto criador de significados foi explorado o quanto possível pelo compositor. A repetição se repetir, é um golpe de mestre!

“Ah, mas assim é muito fácil, só ficar repetindo mulher, então”. Vejamos; o quão explícita é a repetição, quão explícitas são as estruturas pelas quais se movem? Até porque, não esqueçamos que estamos falando de um samba, não uma daquelas repetições malucas e modernas (ou pós-?). Um samba, uma expressão musical que tem ampla divulgação no país. Não está isolada a obra. Um samba harmonioso é o encarregado de dar suporte à letra que se mostra simples, mas reveladora. Não bastou repetir a palavra ‘mulher’ para se falar tão sintetica e profundamente no tema mulher. Ousaria dizer que os dois êxitos da música se confundem (se não são o mesmo).

E o que há por dizer sobre elas?, como dizer no breve espaço de uma obra (qualquer que seja), como reduzir a mulher a tão pouco? O autor joga a bandeira, mas é uma desistência tão mais carregada de significado que muita resistência que poderia opor. Talvez sabendo, simplesmente, que não encerraria as mulheres a o que quer que fosse. Revela, por fim, a música, algo que não se trata de linguagem, não se trata de arte, nem arte contemporânea. Não se trata nem mesmo de mulher. Trata-se de mulheres, trata-se de homens, trata-se de suas vidas e de como eles encaram este imenso