o resto
é distração,
um sorriso bem dado,
um olhar trocado
(os sensíveis que choram,
desesperam
pelo desengano)
deve ser por isso que rio alto,
canto
pra colorir de outros tons o silêncio
A multidão cria
um caos de sons e movimentos
que ao longe
é feito uma só forma
composta
pelas mil complexidades
de um só homem
Grita o mundo
por mil gargantas
umas milhões de palavras
com trilhões de ideologias
um turbilhão de emoções
enquanto
as árvores continuam a ser
árvores
-também em sua
devida complexidade-
e o humano a angústia
ou acomodação
A nação se divide
em homens de bem
porém aqui também somos
homens de mal.
Homens demais.
Assim, de repende
nasce a frase
a palavra
a mentira a verdade
doces ou amargas, são apenas
palavras
ocas
se não ditas
por bocas certas ou
escritas por mãos loucas
descrevem uma idéia
um plano
escrevem sobre o dia
um ano
não passam de loucas
as palavras que condensam
em um instante
a fragilidade do mundo
que por tão complexo
não me deixa condensar em palavras
a fragilidade do instante
Incessante minha briga
pelo significado do mundo
ou da palavra
ou do instante
que morre ao início
e se perde no cosmo
feito um vício
por algo que antes
nunca
aconteceu
Dentro da vida o
instante não tem
relevância
Universo
Planeta
Estrela
Cometa
Homem
amor.
Flor
Pétala
Cor
Cheiro
Mera questão quantitativa.
Nasci
como ser (?)
Serei até morrer
simples
ser.
O que dissera o ser
quando nasceu? Ser
humano?
Esse ser humano tão sério
tão cego
o que vê?
Será o ser ou será o ego?
Me entrego na condição de
ser,
sereno. Sereia, Será?
Serei a sereia,
o que será de mim?
Nascer
ser
morrer.
Sem alegria
Sem fim?
Será poesia?
Serei poesia!
(Não posso ser poesia
se sou humano,
ser humano
E o mesmo fez questão
de gritar a mentira do século:
''Sei ser!''
Mais um estúpido ser
-retruquei-lhe)
Ainda indago aos sábios:
o que será de mim?
Simples ser humano
não pode ser meu fim
Depois de tantos anos
sendo
e
morrendo,
vivendo
e
renascendo, a
nostalgia de simplesmente ser
torna a não mais entender
a razão de uma vida
para se viver.
E morrer.
Como se houvesse realmente
algo entre nossas faces tão juntas,
em nossos olhos tão admirados
(um véu que aflorasse ao toque?)
Como se, pele com pele,
pernas com pernas,
peito com peito,
houvesse mesmo qualquer evidência
de algo além de dois seres
dois seres em contemplação
tenra
profunda
Como se houvesse mesmo
entre as peles rentes,
roçantes,
qualquer indício de uma metafísica amorosa,
que explicasse a dissipação de todo o mundo
quando tudo desemboca num só ser...
Como se duas vidas conseguissem realmente se aproximar
ainda mais do que permite essa existência,
além desse estreito vão entre dois corpos amorosos
que com tanta sede,
tanto desejo,
tanta vontade,
tenta ser preenchido
"No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.”
(Carlos Drummond de Andrade)
Pra ser sincero, esse texto se dirige a um único leitor: eu mesmo. E se o que o motivou foram inúmeras e infindáveis discussões com amigos, no momento quero que solenemente se explodam. Digo isto como precaução; a quem, por acaso, não vier a interessar este devaneio egocêntrico e egoísta, fica o recado.
Eu comecei por me perguntar o que é uma interpretação. É dizer como me parece algo? É dizer o que eu vejo, é transformar em linguagem? Numa outra linguagem? Porque por exemplo, encontrei isto na Wikipedia, no verbete “Mistério do planeta”:
“Interpretação lírica
(...)"O tríplice mistério do stop" corresponde às três fases da vida do ser humano, ao nascer, crescer e morrer. No verso seguinte, "que eu passo por e sendo ele no que fica em cada um", reforça a teoria de que todos os seres humanos passam por esta fase. O 'stop' seria o fim da vida.(...)
É uma música linda, eu acho, mas a música é isso? Quereria dizer que a música pretende algo, ou estou errado? A música é o que ela é, ou o que ela quer dizer?
Foi nesse momento o estalo. Importa o que a música é? Ou não, porque ela é ‘para alguém’. Confuso pra cacete? De outra forma: Joaninha é bonita, ou, Joaninha é bonita segundo alguém?
Beleza?
Interpretar.
Interpretar é compreender, apreender: capaz... Compreender é transformar em algo que me diz respeito, que eu possa ‘percorrer’ depois, que eu possa retornar àquilo a partir de.
E de uma combinação aleatória de palavras? De aproximações tão distantes quanto possíveis; e de distanciamentos tão próximos? Refiro-me à poesia.
“A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
(...)
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo! (...)”
Indo mais longe ainda, me digam, como explicar as lágrimas que trazem à tona um poema sobre um moço tão distante no tempo quanto no espaço, e que eu mesmo nem cheguei a conhecer? “ A Mario de Andrade ausente”:
Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunham:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá (pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais
Por exemplo assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguem perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você,
Profundamente.
Mas agora não sinto a sua falta.
É sempre assim quando o ausente partiu sem se despedir:
(Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se.
Para outra vida?
A vida é uma só. A sua vida continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora sua falta.”
Essa coisa que não sei dar nome, estará mesmo no poema? Creio que não. Se é em mim que ela reverbera, se são minhas as lágrimas, sou puro eu este algo. Ou não?
Relendo à luz de algum tempo decorrido, me parece tão simples quanto infantil. Limitar interpretações é limitar as pessoas. Os homens criam seus significados, tantos quanto imagináveis, e vem criando, e creio, jamais deixarão de fazê-lo. Antes era a bíblia, ou a torá, um poema, que importa.
Interpretações somos nós, em outras palavras.
Compor uma canção é um estratagema, dizia um músico. Eu não faço a menor idéia. Mas também não nego se tratar duma idéia interessante; se não pra ajudar a entender a composição, pelo menos um devaneio interessante, um ponto de vista.
Neste sentido a música “Mulher”, do sambista Neguinho da Beija-Flor, nos aparece como um exemplo cristalino de enlace perfeito entre as partes que a compõem. Pode-se até supor que o compositor guarda um “mapa” da obra, num rascunho o “esquema” da canção.
A repetição da palavra ‘mulher’, primeiramente, em três combinações diferentes, o tempo que varia, e a melodia que não é de pouca qualidade, introduzem o ouvinte no, digamos, todo da música. O terceiro tempo quebra dando início ao segundo momento da abertura, e o que nos aguarda:
“Melhor que uma mulher só dez “mulher”, só dez “mulher”
Melhor que dez “mulher” só mil “mulher”, só mil “mulher””
Pois é, até o momento não muito foi dito. Uma repetição trivial seguida de uma comparação que parece no mínimo imbecil (“duas mulher” não são melhores do que uma, ou três, ou nove? E mil mulheres tranqüilo, mil e uma é que fode, né?): O que um estrategista nos diria?
Não quero saber de imaginação pela metade. Um antigo general do exército chinês certa vez proverbiou: conhece o teu inimigo. A insinuação é sutil. O tema já está claro a esta pouca altura da música; vamos falar de mulher. Melhor que uma mulher, só dez “mulher”. Não dez mulheres, dez “mulher”. A individualidade da mulher é apreciada, não importa que seja uma, dez, ou mil; como a nos contar que cada qual vale por si mesma. Mas ele, autor, faz isso por artifícios.
A terceira parte não difere no que tange a simplicidade das estruturas. Uma contagem,
“Uma mulher, duas mulher, tr... ... sete mulher oito mulher nove mulher – dez mulher”
Agora tem fim o primeiro ato, em sua tripartição narrativa, apesar da abordagem incomum do tema. O segundo ato se inicia como o primeiro (“mulher, mulher...”), numa autofagia incrível, onde a música repete a si mesma, onde o mecanismo da repetição enquanto criador de significados foi explorado o quanto possível pelo compositor. A repetição se repetir, é um golpe de mestre!
“Ah, mas assim é muito fácil, só ficar repetindo mulher, então”. Vejamos; o quão explícita é a repetição, quão explícitas são as estruturas pelas quais se movem? Até porque, não esqueçamos que estamos falando de um samba, não uma daquelas repetições malucas e modernas (ou pós-?). Um samba, uma expressão musical que tem ampla divulgação no país. Não está isolada a obra. Um samba harmonioso é o encarregado de dar suporte à letra que se mostra simples, mas reveladora. Não bastou repetir a palavra ‘mulher’ para se falar tão sintetica e profundamente no tema mulher. Ousaria dizer que os dois êxitos da música se confundem (se não são o mesmo).
E o que há por dizer sobre elas?, como dizer no breve espaço de uma obra (qualquer que seja), como reduzir a mulher a tão pouco? O autor joga a bandeira, mas é uma desistência tão mais carregada de significado que muita resistência que poderia opor. Talvez sabendo, simplesmente, que não encerraria as mulheres a o que quer que fosse. Revela, por fim, a música, algo que não se trata de linguagem, não se trata de arte, nem arte contemporânea. Não se trata nem mesmo de mulher. Trata-se de mulheres, trata-se de homens, trata-se de suas vidas e de como eles encaram este imenso