quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A ilha do amigo

Mesmo que a comida começasse a parecer-lhe repetitiva, mesmo que o sol começasse a queimar-lhe o corpo, mesmo assim ele sorria. Por que afinal, era o que lhe restava. Já faziam uns quatro ou cinco dias que seu barco naufragara; não sabia direito, estava meio desorientado. Culpa da comida pouca, talvez, ou quem sabe a insolação.
Nenhum sinal de vestígios ou dos outros tripulantes. Sorte ou azar sobreviver? Ainda não se dera conta da tristeza dos fatos. Estava sozinho, perdido, indefinidamente. Nessas horas faz-se valer a sobrevivência, tristeza não tem vez. Cogitou uma mitose, queria um amigo para conversar, mas lembrou-se que os mamíferos não possuíam tal capacidade de duplicação. Riu-se. Lembrou também das aulas de biologia, dos tempos de escola. Bons tempos aqueles...
Se lhe coubesse a decisão, quedaria eternamente naquelas boas memórias. Mas a maré crescente logo o trouxe de volta à escaldante realidade. E pela primeira vez entristeceu. As costas ardiam, o coco, sua fonte de alimento e bebida, já estava quase acabando; não sabia quanto tempo mais agüentaria.
Que saudade dos amigos!, da família! Queria falar, botar pra fora, expressar-se, mas pra quem? Escrevia SOS’s na areia, enfeitava-os, aprimorava-os, mas alguém os avistaria?
Quando percebeu estar à margem da loucura, resolveu extravasar. No tronco do coqueiro, embaixo do qual dormia, desenhou um rosto. Para isso usou uma pequena pedrinha pontiaguda que encontrou, e na falta de um nome melhor, chamou-o Amigo. Amigo mesmo, não Amiga. Tal era o ócio em que se encontrava que pensou cada pequeno detalhe de sua personalidade. Julgou melhor fazê-lo homem para que pudessem desfrutar de uma maior afinidade. Imagina se ele se apaixona? Agüentaria estar perdido e ainda por cima mal-amado? Prevenção nunca é demais.
Amigo era um bom ouvinte, podia falar pouco, mas ouvia como ninguém.
Certa noite, a lua, de tão bonita que estava, comoveu o homem. E sabem como é, ele desatou a chorar. Apercebeu-se de uma possibilidade angustiante: talvez nunca o encontrassem! Talvez ficasse ali o resto de sua vida. Quem sabe a correnteza não o levou num percurso inesperado, onde ninguém jamais o procuraria. Ou talvez fosse aquela ilhota o último pedaço de terra desconhecido em nosso planeta, e por isso ninguém pensaria em procurá-lo lá. Até quando levaria adiante aquela farsa de conversar com uma árvore?
Mas por mais desesperadoras que fossem as possibilidades, algo surpreendente, inesperado, até, dizia-lhe que tudo acabaria bem. Um pressentimento, uma fé, uma ilusão. Mas que importava seu motivo ou sua origem, se tanto lhe apaziguava a mente. E ele riu uma vez mais. Deixou a pedra à beira-mar em que se sentava e foi para debaixo do coqueiro; porém, sem as lágrimas nos olhos de agora há pouco. Foi sorrindo, feliz.
Deve ter sonhado com os anjinhos essa noite, pena que o Amigo não teve a chance de perguntar. Mas o Amigo jura que foi acidentalmente que deixou cair um coco bem na cabeça do companheiro homem.

Um comentário:

Morgan Freeman disse...

Engraçado,
Meu ursinho de pelúcia preferido se chama amigo.
haha.